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Nuno Cunha
 

A inocência e a intenção

A obra fotográfica recente de Ana Telhado desenvolvida no seio do povo fula, na Guiné.

   Ana Telhado constrói imagens que nos induzem a uma primeira ideia de registo documental. As suas obras, porém, são construções, cenários performativos em que os planos e as formas adquirem idêntica força ou se inter-relacionam criando linhas ou volumes “híbridos” entre ambos. “Ana Telhado apresenta espaços onde se fundem a paisagem e os seres e objectos que nela se inscrevem.” (Luís Pinheiro, Maio de 2008, e-vai.net).

   Hoje inaugura uma exposição de fotografia na Módulo, em Lisboa, sob o título Pooja Magma. Reencontramos imagens a preto e branco, desta vez de menores dimensões – a nota informativa da galeria sublinha, nesta série, “a relação dos arabescos da paisagem com os desenho das capulanas das mulheres fula, relação enriquecida por um forte contraste luz-sombra”.

   Sobre as mulheres retratadas, a imagem fica-se pelas suas relações formais e sentidos que daí advêm, mas são “rainhas, mulheres, rituais e magia, num misto de real e ficção”, afirma Ana Telhado. “A série de fotografias Pooja Magma remete para uma dimensão interior de força, verticalidade, nobreza e ao mesmo tempo de inocência. São imagens pensadas e sobretudo sentidas nas (com) –vivências ao longo de três meses numa tabanka (aldeia) do sul da Guiné-Bissau. Rituais imaginários, oníricos, de chamamento à vida, à Natureza da espécie humana. São o sangue real, o Magma da Terra.”

   Nas obras da artista reflectem-se memórias, próprias mas também colectivas; não é inocente o facto das suas pesquisas se desenrolarem numa antiga colónia portuguesa. “Estes elementos, para além de definirem os planos e conferirem a profundidade espacial à composição, reflectem também,  interiormente, todas as memórias que a artista “reconstituiu” na sua pesquisa por territórios de uma África punhal para uns, golos de espanto noutros, aqui” refere Luís Pinheiro. “Os fragmentos estruturam, definem e dilatam o espaço-tempo nas interacções e narrativa criadas pela artista na composição.”

   Telhado desloca a nossa atenção para a vivência que desenvolveu com os fulas durante meses, tornando evidentes alguns aspectos fundamentais à construção de sentidos das suas obras, resultantes  de uma pesquisa de hábitos quase antropológica. As forças que mostra são o resultado da observação cuidada do meio e das relações estabelecidas, apresentadas depois sem uma complexificação artificial. Luísa Especial, em 2008, a propósito da exposição da artista nesta mesma galeria, referia que “Ana Telhado é, creio, uma artista clássica quanto à sua atitude estética de pureza formal: clareza, sentido da harmonia e da proporção. A composição das fotografias é equilibrada e cautelosa; a linguagem, depurada, foge ao artificioso: visa a essência”.

Nuno Cunha

In Diário de Notícias _ Notícias Sábado _ N 197

17 Outubro 2009

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