Luís Pinheiro
Ana Telhado olha o infinito através das suas fotografias. Ao assimilar a realidade do local aonde se desloca, adquire o poder de reorganizar os seus elementos. A imagem dotada de sugestão possibilita a descoberta do Outro, por participação – é o meio pelo qual se efectua a passagem e se opera o reencontro. Na presente exposição “Cartografias: Paragens”, patente a partir de 10 de Maio no Módulo (até 5 de Junho), em Lisboa, Telhado reordena a realidade da Guiné-Bissau.
“Ana Telhado estuda os movimentos, posturas, a integração dos corpos na paisagem. Cria certificados de força no feminino – presenças imemoriais e mitificadas – que desmentem as visões miserabilistas do Outro. Os corpos assumem-se como elementos escultóricos e arquitectónicos (sejam eles colunas, paredes, portas, janelas ou raízes): são História, local e história local. São, eles mesmos, edifícios e raízes. Ou não será raiz a menina – cujas pernas parecem prolongar-se chão dentro – que sustém nas mãos um pedaço de madeira de formas quase humanas.” (Luísa Especial, Cartografias: Paragens)
No plano formal, exterior, o trabalho fotográfico de Ana Telhado apresenta espaços onde se fundem a paisagem e os seres e objectos que nela se inscrevem. Estes elementos, para além de definirem os planos e conferirem a profundidade espacial à composição, reflectem também, interiormente, todas as memórias que a artista “reconstituiu” na sua pesquisa por territórios de uma África punhal para uns, golos de espanto noutros, aqui. Os fragmentos estruturam, definem e dilatam o espaço-tempo nas interacções e narrativa criadas pela artista, na composição.
A prática antropológica, uma ferramenta científica, auxilia o artista contemporâneo, ao conceder-lhe um campo ampliado de aproximações ao real. Ana Telhado viaja por territórios do passado colonial português, onde reconstrói a realidade encontrada nas ficções que cria. A História e as “Estórias” recolhidas na permanência nos locais reflectem-se na autenticidade com que o trabalho é apresentado. Ela, contudo, tem uma voz portuguesa, sentindo-se nela o peso da nostalgia em presença de um passado que se resgatou e se reconta, transfigurado.
A fotografia funciona enquanto contentor, reservatório dos fragmentos que recriam a totalidade a que cada uma das imagens se reporta. O tempo e o espaço registados pela artista assumem vários sentidos e níveis, que se complementam e anulam. Assim, a condição documental aparente é desmentida na simulação. Os fragmentos da História reintegram-se no todo representado como momento de eterno presente. As “Estórias” – as vivências e memórias das pessoas com quem conviveu – permitem ao observador um reconhecimento no desconhecido e representam um portal de acesso ao infinito. Um espaço onde o homem se reencontra, num tempo sem tempo.
No trabalho fotográfico apresentado, a presença humana é uma constante. As mulheres e crianças revelam, ou ocultam, a presença de “outros” lugares, experiências e condições, não representadas directamente, a descobrir. Eis uma das características da Arte, tantas vezes ignorada pelos “artistas”: a capacidade de sugestão. Outra particularidade da Arte que Telhado confere ao seu trabalho é a fantasia na recriação poética operada sobre a realidade. Apesar de procurar conhecer a realidade presente e passada, que mostra ao observador, não se limita a transmitir o que aprendeu – utiliza os elementos encontrados, construindo narrativas originais em cada uma das suas fotografias.
Ana Telhado é uma jovem artista (n. Lisboa, 1981), tendo terminado o seu curso de pintura, na FBAUL, em 2005. As fotografias apresentadas são o resultado de uma viagem que a artista realizou em 2007 à Guiné-Bissau, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, para desenvolver um trabalho de pesquisa.